02/04/2013

Caminho do xisto da Benfeita e Mata da Margaraça

Começando na aldeia do Xisto da Benfeita, passando por Sardal e Pardieiros na Serra do Açor, atingimos a Fraga da Pena e regressamos à Benfeita pela margem da ribeira da Margaraça. 

Serra do Açor e Mata da Margaraça

            Esta é uma das mais desconhecidas serras de Portugal, mas talvez uma das mais belas. Tem uma beleza própria, quer pela vegetação que a cobre em grande parte da sua área, matos, bosques de pinheiros, castanheiros, carvalhos ou eucaliptos em certos locais, quer porque nos permite avistar noutras perspectivas, serras bem conhecidas como a Estrela, a Lousã, o Caramulo, a Gardunha que são as suas vizinhas mais próximas, mas ainda a vista alcança o Alentejo, a Espanha e as imediações do Douro.
                A Serra do Açor está ligada à Estrela nas Pedras Lavradas e à Lousã pelo Penedo de Góis. Tem duas cumeadas separadas pelo vale do rio Ceira afluente do Mondego e situa-se entre os rios Alva e Zêzere, constituindo um maciço com cerca de 35 Km de comprimento por 30 de largura aproximadamente. O seu ponto mais elevado é o Picoto de Cebola, com 1418 metros de altitude e tem outros bem altos como o pico de S. Pedro do Açor, a Rocha, O Colcurinho e o Gondufo. Estende-se pelos concelhos da Covilhã, Seia, Oliveira do Hospital, Arganil, Pampilhosa da Serra e Góis.
                A serra tem algumas áreas que, pela sua riqueza e características vegetais fazem parte da Rede Natura: destacam-se o Picoto de Cebola, S. Pedro do Açor, os Penedos de Fajão, o azinhal das Meãs e, pela sua massa vegetal e riqueza florística, a Mata da Margaraça: esta Mata constitui uma das raras e mais significativas relíquias que restam da floresta que cobriu a maior parte das encostas de xisto do centro de Portugal. A Mata da Margaraça, com uma superfície de cerca de 68 hectares (propriedade do ICNB), situa-se numa encosta bastante declivosa de exposição N-NW e com uma altitude que varia entre os 400 e os 750 metros. Pelo estudo florístico verifica-se que esta formação vegetal é constituída, entre outras, por: castanheiro (Castanea sativa Miller), carvalho-alvarinho (Quercusrobur L.), azereiro (Prunus lusitanica L. ssp. Lusitanica) medronheiro (Arbutus unedo L.), folhado (Viburnum tinus L. ssp. Tinus), aveleira (Corylus avellana L.), cerejeira (Prunus avium L.), gingeira (Prunus cerasus L.); no estrato subarbustivo predominam: a gilbardeira (Ruscus aculeatus L.), a silva (Rubus coutinhoi Samp.), e a madressilva (Lonicera periclymenum L. Subsp. Periclymenum). No aspecto botânico a Mata da Margaraça apresenta também elevado interesse dado que na sua flora existem espécies de grande interesse científico, como por exemplo: Eryngium duriaei Gay ex Boiss., Genista falcata Brot., Luzula sylvatica (Hudson) Gaudin subsp. Henriquesii (Degen.) P. Silva, Crepis lampsanoides (Gouan) Tausch, Circaea lutetiana L., Sanicula europaea L., Veronica micrantha Hoffmans. & Link., além de espécies de valor hortícola ornamental tais como: lírio-martagão (Lilium martagon L.), Narcissus triandrus L. var. cernuus (Salisb.) Baker, Narcissus bulbocodium L., Linaria triornitophora (L.) Willd., Omphalodes nitida Hoffmans. & Link., e o selo-de-Salomão [Polygonatum odoratum (Miller) Druce], etc. Esta formação vegetal corresponde à Associação denominada Rusco-Quercetum roboris subassociação Viburnetosum tini da Aliança Quercion robori-pyrenaicae – característica do noroeste da Península Ibérica – pertencente à Classe Querco- Fagetea. A Mata da Margaraça, para além da floresta natural, inclui uma faixa outrora explorada em regime de talhadia para a obtenção de varas de castanho, e terrenos agrícolas que, abandonados, foram naturalmente substituídos por floresta. Ainda na P.P.S.A. merece destaque a Fraga da Pena, que para além de ser um local de grande beleza paisagística, apresenta um conjunto de espécies florísticas de grande riqueza fitossociológica. Nesta zona correspondente, surgem-nos algumas espécies heliófilas de cariz mediterrânico como o trovisco (Daphne gnidium L.), o lentisco-bastardo (Phillyrea angustifolia L.) e o Aderno (Phillyrea latifolia L.). São de realçar as condições particulares de abrigo e humidade atmosférica para a existência de várias espécies de briófitos (musgos) e de pteridófitos (fetos), cobrindo as paredes de xisto ao longo da linha de água. Nas zonas de cotas mais elevadas, ocorre a presença de matos (nalguns casos, muito degradados) pertencentes à Classe Calluno-Ulicetea (urzes). 

                Esta serra foi povoada desde tempos muito recuados: temos vestígios do Neolítico (5000 anos A. C.) e da Idade do Bronze (2000 A. C.) em muitos locais, são as gravuras rupestres efectuadas provavelmente por populações de pastores nómadas. Da época romana há vestígios de mineração e na Idade Média, os nossos reis e os grandes senhores feudais, procurando povoar todo o reino, deram forais a várias povoações e procuraram promover o estabelecimento de gente, oferecendo regalias aos moradores. Se assim não fosse, como se explicaria o imenso número de aldeias que pontuam esta serra em todos os vales onde a fertilidade da terra e a água oferecem algumas condições de vida, embora pouco atractivas? Como se explicariam povoações como o Piódão, a Covanca, a Malhada Chã, os Chães de Égua, implantadas em locais inóspitos, de difícil acesso e de pouca terra fértil? Não foi apenas a pastorícia e a apicultura, mas também a cultura do castanheiro, cereais, batata e no século XIX a exploração do carvão de torga, a exploração mineira (Minas da Panasqueira) que deu algum rendimento aos serranos. A vida era difícil e muitos tiveram que emigrar ao longo dos últimos 100 anos, mas há futuro aqui: hoje é o turismo (pedestrianismo, turismo de ambiente e natureza, turismo cultural…) e algumas actividades como a apicultura, a pastorícia (caprinicultura), a caça, em que a conjugação da tradição com a modernidade parece fazer a estrada do futuro. Apesar de as cumeadas terem sido transformadas em centrais eólicas de produção de energia, a beleza da serra mantém-se.



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