Travessia
da Serra do Açor
Esta é uma das mais desconhecidas serras de Portugal, mas
talvez uma das mais belas. Tem uma beleza própria, quer pela vegetação que a
cobre em grande parte da sua área, matos, bosques de pinheiros, castanheiros,
carvalhos ou eucaliptos em certos locais, quer porque nos permite avistar
noutras perspetivas, serras bem conhecidas como a Estrela, a Lousã, o Caramulo,
a Gardunha que são as suas vizinhas mais próximas, mas ainda a vista alcança o
Alentejo, a Espanha e as imediações do Douro.
A Serra do Açor está ligada à Estrela nas Pedras Lavradas
e à Lousã pelo Penedo de Góis. Tem duas cumeadas separadas pelo vale do rio
Ceira afluente do Mondego e situa-se entre os rios Alva e Zêzere, constituindo
um maciço com cerca de 35 Km de comprimento por 30 de largura aproximadamente.
O seu ponto mais elevado é o Picoto de Cebola, com 1418 metros de altitude e
tem outros bem altos como o pico de S. Pedro do Açor, a Rocha, O Colcurinho e o
Gondufo. Estende-se pelos concelhos da Covilhã, Seia, Oliveira do Hospital,
Arganil, Pampilhosa da Serra e Góis.
A serra tem algumas áreas que, pela sua riqueza e
características vegetais fazem parte da Rede Natura: destacam-se o
Picoto de Cebola, S. Pedro do Açor, os Penedos de Fajão, o azinhal das Meãs e, pela
sua massa vegetal e riqueza florística, a Mata da Margaraça: esta Mata
constitui uma das raras e mais significativas relíquias que restam da floresta
que cobriu a maior parte das encostas de xisto do centro de Portugal. A Mata da
Margaraça, com uma superfície de cerca de 68 hectares (propriedade do ICNB),
situa-se numa encosta bastante declivosa de exposição N-NW e com uma altitude
que varia entre os 400 e os 750 metros. Apresenta uma composição vegetal única,
encontrando-se atualmente rodeada por zonas de mata e campos agrícolas.
O percurso inicia-se em Casegas, aldeia do concelho da
Covilhã, situada nas margens da ribeira que separa as serras da Estrela e do
Açor, e que nasce na confluência destas serras, atravessa o Sobral de São
Miguel, segue pela portela entre o Picoto de Cebola, o Gondufo e S. Pedro do Açor, até
chegar junto deste e atingir a freguesia do Piódão entre as povoações de Chãs
de Égua e Malhada Chã, começando então a descer para o Piódão, subindo desde os
400 metros de altitude em Casegas, até aos cerca de 1380 no Açor.
Este caminho é uma parte daquele que há muitos anos as
gentes de Casegas faziam pela serra, quer quando, em Julho, iam à romaria da
Senhora das Preces, ou se dirigiam aos mercados de Coja, Oliveira do Hospital
ou Arganil pela “Rota do Sal”, (que coincide com a “Rota da Lã”, em muitos
quilómetros do seu percurso, documentadas desde a Idade Média, a do Sal
diretamente para o litoral, a da Lã até Tomar). Era esta a rota que abastecia o
interior, a partir do litoral, de peixe salgado e sal e escoava as produções
têxteis, os gados, os queijos e outros produtos do interior serrano e fabril.
Por esta estrada “real”, especialmente protegida pelos nossos reis desde a
Idade Média, quando a “reconquista” se dava por finda, povoada de diversas
“catraias”, estações de mudas de cavalos e ponto de pernoita nesses caminhos
inóspitos. O percurso destas “Rota do Sal” e “Rota da Lã”, passa junto da
primeira destas “pousadas”, a do “Souto Negro” à saída de Casegas e ainda na de
S. Pedro do Açor, antes do Piódão. Só deixaria de ter importância decisiva
quando o caminho-de-ferro da Beira Baixa foi inaugurado até à Covilhã, em 1893,
pelo rei D. Carlos e ficaram desertos os caminhos da “Rota do Sal” e da “Rota
da Lã”.
As pessoas desde muito cedo povoaram esta serra: temos
vestígios do Neolítico, e da Idade do Bronze em muitos locais, são as gravuras
rupestres efetuadas provavelmente por populações de pastores nómadas. Da época
romana há vestígios de mineração e na Idade Média, os nossos reis e os grandes
senhores feudais, procurando povoar todo o reino, deram forais a várias
povoações e procuraram promover o estabelecimento de gente, oferecendo regalias
aos moradores. Se assim não fosse, como se explicaria o imenso número de
aldeias que pontuam esta serra em todos os vales onde a fertilidade da terra e
a água oferecem algumas condições de vida, embora pouco atrativas? Como se
explicariam povoações como o Piódão, a Covanca, a Malhada Chã, os Chãs de Égua,
Fajão, Unhais-o-Velho e Meãs, Sobral de S. Miguel e Cebola (S. Jorge da Beira)
e muitas outras aldeias, implantadas em locais inóspitos, de difícil acesso e
de pouca terra fértil? Não foi apenas a pastorícia e a apicultura, mas também a
cultura do castanheiro, cereais, batata e no século XIX a exploração do carvão
de torga, a exploração mineira (Minas da Panasqueira) que deu algum rendimento
aos serranos.
A terra era fértil em certos locais, mas pouca
para a população em crescendo, a vida era difícil e muitos tiveram que emigrar
ao longo dos últimos 100 anos. No entanto há futuro aqui: hoje é o turismo
(pedestrianismo, turismo de ambiente e natureza, turismo cultural…) e algumas
atividades como a apicultura, a pastorícia (caprinicultura), a caça, em que a
conjugação da tradição com a modernidade parece fazer a estrada do futuro.
Apesar de as cumeadas terem sido transformadas em centrais eólicas de produção
de energia, a beleza da serra mantém-se.