29/09/2009

Mineiros da Panasqueira

MINEIROS DA PANASQUEIRA - A PROPÓSITO (NOVAMENTE) DA ROTA DOS MINEIROS

A expressão mais adequada para descrever grande parte da vida quotidiana dos mineiros da Panasqueira é enterrados vivos. A maior parte dos mineiros eram oriundos do concelho da Covilhã e umas largas centenas eram de Casegas. Verdadeiros heróis do trabalho, autênticas toupeiras humanas, furaram e esventraram a serra do Chiqueiro e o Cabeço do Pião, território situado na zona limítrofe dos concelhos da Covilhã, Pampilhosa da Serra e Fundão.

No século XIX, foi um Caseguense, o Pescão, quem descobriu o potencial económico da Panasqueira, iniciou a exploração, inicialmente apenas de estanho e cobre e vendeu a mina ao banqueiro Burnay que, por sua vez, igualmente a vendeu aos ingleses da Beralt Tin & Wolfram. Estes, após a I Guerra Mundial começaram a extracção do volfrâmio. A Beralt, embora tenha mudado de mãos, ainda está a explorar as Minas da Panasqueira.

Era a necessidade de procurar sustento, melhorar as condições de vida, que a ruralidade não era de farturas, pois o trabalho agrícola em terras montanhosas não dava pão abundante, que levava os mineiros a percorrerem diariamente cerca de 20 quilómetros por estreitas veredas de pé posto, atravessando ribeiras, por onde circulavam igualmente pastores, carvoeiros e almocreves, chegando ao trabalho já fatigados. A rota dos mineiros procura reconstituir um pouco o seu percurso diário.

As entranhas da montanha albergavam milhões em volfrâmio, cobre e estanho. Estão agora ao sol, os milhões de toneladas de resíduos da exploração de mais de cem anos na Panasqueira, Barroca Grande e Rio, os três núcleos das Minas. Mas há quem diga que o "monte" do dinheiro que dali saiu ainda é maior.

As Minas da Panasqueira tiveram um grande impacto económico, social e cultural nos concelhos da Covilhã, Pampilhosa da Serra e Fundão. Esse impacto foi maior nas freguesias mais próximas das Minas da Panasqueira. As que mais influência sentiram foram, no concelho da Covilhã, Casegas, S. Jorge da Beira (antiga Cebola) Aldeia de S. Francisco (antigamente Bodelhão), Ourondo, Paul, Erada; no concelho do Fundão, Silvares, Barroca, Janeiro de Cima e Bogas e no concelho da Pampilhosa, Dornelas e Meãs, e outras da freguesia de Unhais-o-Velho, ou mesmo, Fajão e Janeiro de Baixo, já que a sua área de influência ia até mais longe. Das referidas povoações, quase todos os trabalhadores tinham que deslocar-se diariamente. Por vezes, no regresso, ainda iam "dar uma mão" no amanho das terras, ajudando nas épocas das sementeiras ou colheitas quando o trabalho da mulher e dos filhos não era suficiente. Os de terras mais longínquas deslocavam-se semanalmente. Ao sábado regressavam à aldeia, faziam as suas tarefas agrícolas, assistiam à missa do Domingo e na segunda-feira de madrugada lá regressavam à Mina. Outros fixaram-se definitivamente na zona de exploração, constituindo as novas povoações da Panasqueira, Rio e Barroca Grande com muitos outros que vinham do Alentejo, Trás-os-Montes e Minho e que por cá ficaram.

A Mina permitiu manter muita população com um emprego bastante estável nas povoações mais próximas e, com uma certa complementaridade da pequena agricultura, algum desenvolvimento económico-social e um nível de vida aceitável para uma zona rural como a nossa.

Mas isso tinha um preço elevado: as condições de trabalho eram terríveis e a somar à própria natureza da tarefa, ao local onde era exercida e aos terríveis perigos de acidentes, havia a doença profissional, a silicose, provocada pela inalação do pó da pedra. Esta doença é incurável e consiste numa lesão permanente do pulmão provocada pela sílica da rocha, presente nas poeiras. Mais tarde ou mais cedo, dependendo de vários factores, a morte era uma sina precoce. Muito raros eram os mineiros que ultrapassavam os cinquenta anos. Nestas aldeias, as mulheres ficavam viúvas muito cedo. No concelho da Covilhã, Casegas e S. Jorge da Beira eram conhecidas como as terras das viúvas. Viuvez e orfandade com o seu cortejo de miséria, mitigada pela solidariedade e pelo trabalho de todos nas pequenas courelas de magra terra. Mal dava para a "côdea". Logo que possível, a emigração para Lisboa ou para o estrangeiro. Ou, por atávica herança, a mina, outra vez. O investimento da empresa concessionária das Minas na melhoria das condições de trabalho e segurança, pressionada pelos trabalhadores, sindicatos e, finalmente, pelas leis que foram sendo publicadas, permitiu alterar o panorama para melhor.

Logo após o 25 de Abril, quando a reivindicação e a força dos trabalhadores eram maiores, os mineiros da Panasqueira tinham dos melhores salários do operariado a nível nacional e eram uma influente força social. Nessa altura a exploração mineira estava em alta. A decadência começou nos anos oitenta, quando as crises cíclicas dos mercados e a desvalorização do volfrâmio, pela concorrência internacional, foram reduzindo as efectivos e enfraquecendo a exploração mineira. Chegou a encerrar nos anos noventa, para voltar a reabrir quando o preço do volfrâmio o justificou. Hoje, as Minas ainda laboram. Têm cerca de duzentos mineiros, mas a crise é uma ameaça permanente, mitigada pelas guerras que no mundo se vão dando.

Ao longo de todo o século XX, a marca das Minas exerceu-se na vida desta região e desta terra. Foram muitas, as gentes que se movimentaram na sua órbita. Recordemos algumas épocas e factos: na Segunda Guerra Mundial a corrida ao volfrâmio levou milhares de pessoas à garimpagem e ao contrabando e algumas enriqueceram. Muitos dos que tentaram o quilo e o salt' e pilha continuaram pobres, mas viveram a ilusão. Outros fizeram bons negócios e enriqueceram, fornecendo à mina, as madeiras para segurança do terreno no trabalho subterrâneo. Outros ainda, viveram do comércio e de pequenas indústrias que a existência das Minas proporcionava. As freguesias limítrofes forneceram à empresa serviços, mão-de-obra, madeira e electricidade. Apesar de tudo, uma boa parte do progresso destas terras e a menor desertificação desta região deve-se à existência da Minas da Panasqueira.

Existem em Casegas muitas pequenas histórias de vida de gentes mineiras, marcadas e condicionadas pela mina.

Este pequeno texto é uma homenagem aos homens e mulheres que deram um grande contributo, pelo seu trabalho e pelo seu heroísmo à vida serrana e são, tal como os carvoeiros, os pastores, os ganhões, os lavradores e tantos outros, de vidas ignoradas e simples, o substrato humano da história desta terra mineira.

quilo- expressão empregue pelos garimpeiros autorizados, referindo-se à venda do volfrâmio, ao quilo, à empresa concessionária, Beralt Tin & Wolfram, durante a II Guerra Mundial, quando se permitiu a exploração por conta própria no exterior.

salt’e pilha- trabalho dos garimpeiros clandestinos, não autorizados pela empresa concessionária e que faziam a exploração por sua conta, como se fosse a assaltar e a pilhar. Grande parte do volfrâmio extraído por estes entrava no circuito do contrabando, alimentado pela procura, especialmente por parte dos alemães. A ditadura de Salazar facilitava, ou fechava os olhos a este contrabando, (quase no final da guerra) pois o volfrâmio vendido aos alemães era pago em ouro.

Casimiro Santos

Sem comentários: